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Castor Cifuentes foi assassinado?

  • Foto do escritor: Mariana Lopes
    Mariana Lopes
  • 6 de fev. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 26 de set. de 2024

Bisneta do ex-presidente do Villa Nova Atlético Clube afirma que ele foi assassinado pela mineradora na qual trabalhava por ter sido a favor da causa operária


Todo mundo sabe, em Nova Lima, que Castor Cifuentes é o nome do estádio municipal da cidade, utilizado pelo Villa Nova. Mas quem será a pessoa por de trás desse nome? O espanhol, que atravessou o oceano para fazer morada em Nova Lima, foi um funcionário exemplar da Saint John d’El Rey Mining Company Limited, a antiga Morro Velho, e é homenageado pelo Alçapão do Bonfim porque entrou para a história do referido time, e do município, de maneira louvável, já que administrava o Leão do Bonfim movido por um único sentimento: o amor desmedido ao pavilhão alvirrubro.

 

Porém, para compreender o porquê a história de Castor Cifuentes se entrelaça à mineradora, ao futebol e ao movimento por melhores condições de trabalho - que inclusive é o motivo pelo qual seus familiares afirmam que ele foi assassinado - é preciso entender a conjuntura política, social e econômica da cidade na época.

 

Ex-presidente do Villa Nova, Castor Cifuentes

Futebol de fábrica

O futebol nasceu na classe dominante, popularizou-se com a Revolução Fordista e se tornou um vértice de conteúdos simbólicos e sociais, de acordo com a dissertação de mestrado em História, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), “Cultura operária: um estudo de caso do Villa Nova Atlético Clube”, de Daniela Alves da Silva. Passou a ser “de massa” com a urbanização e industrialização. Ainda segundo o artigo, os burgueses descobriram o futebol como meio de despolitização dos trabalhadores na década de 1860 e por isso os empresários ingleses aproveitaram a oportunidade de fomentar o seu desenvolvimento com o objetivo de manter os operários à margem da atividade política dentro de suas organizações de classe.


Contexto político

O futebol de fábrica, introduzido pelos ingleses, adquiriu uma conotação cultural incentivadora ao lazer de uma classe trabalhadora que vivia quase que de forma exclusiva para o trabalho, sem maiores expectativas de vida. No caso de Nova Lima, a mineradora inglesa Saint John d’El Rey Mining Company Limited, a antiga Morro Velho, hoje AngloGold Ashanti, empregava a maior parte da população, controlava o comércio e decidia o estabelecimento em que os operários podiam fazer suas compras. “Beneficiava” a população com atendimentos médicos que passavam a ser cada vez mais necessários devido ao elevado índice de doenças adquiridas no trabalho, como a silicose. Nesse contexto, e dentre outras explorações trabalhistas, grupos comunistas abriram caminho para manifestações de protesto colocando, assim, operários e patrão frente à situação de luta e exigências de melhores condições de trabalho e, portanto, formando uma consciência de classe.

 

Estádio Municipal Castor Cifuentes Alçapão do Bonfim

Comunismo em campo

De acordo com a pesquisa, o berço do comunismo em Nova Lima esteve presente nos primeiros anos da década de 1920 e se organizava em um forte movimento, sendo que alguns comunistas, não todos, viam no futebol não apenas um instrumento de alienação, mas uma forma de expandir suas ideias e buscar adeptos. O artigo destaca que não foram encontradas evidências suficientes que ligassem mais estritamente a militância sindical e o uso do esporte como mecanismo de agitação e mobilização operária no município em questão, mas afirma que a prática esportiva enriqueceu o dia a dia dos operários, penetrou nos lares, bares, ruas e nos encontros dentro e fora da mina, reforçando e construindo uma identidade coletiva. E, segundo o documento, ainda que não haja evidências suficientes, é crucial assumir e reconhecer o possível viés político na prática esportiva, principalmente porque havia forte presença dos operários da mineradora no clube.

 

Villa Nova x Morro Velho

O Villa Nova foi fundado em 28 de junho de 1908 por operários e ingleses. De acordo com a pesquisa, o time iniciou sua prática esportiva com intuito de competir com o clube Morro Velho, criado pelos ingleses. “Há pequenas controvérsias em relação à fundação do clube, porém as informações se assemelham, como a pretensão em jogar contra o Morro Velho e, principalmente, em difundir o esporte entre os operários”, afirma Daniela no documento. Castor Cifuentes, além de diretor da mina, também era o presidente do Villa Nova. Durante sua gestão elevou os salários dos jogadores, um dos fatores responsáveis pelo impulso do time em sua época de ouro. Considerado homem de bem entre os operários antigos da cidade, Cifuentes foi contra determinados princípios de exploração do trabalho na empresa, conforme afirma a mestra em História. Assim, investiu no esporte por acreditar que este humanizaria as relações entre os trabalhadores. “Ele parecia não visar ordem, disciplina, produção, mas sim a harmonia entre os operários”, avalia Daniela. Sendo assim, participou de uma reunião do Sindicato dos Mineiros, atitude que o levou a ser deposto do seu cargo de chefia na mineradora, porque o acusaram de ser comunista.

time do Villa Nova em 1933

 

“Meu bisavô foi assassinado”

Castor faleceu em 22 de novembro de 1935, aos 42 anos, e o verdadeiro motivo da sua morte, segundo seus familiares, foi abafado. “Ele não morreu de desgosto, como disseram na época, algo que ainda hoje é replicado por historiadores. A Morro Velho aplicou uma injeção errada nele propositalmente, eles o assassinaram. Abafaram o caso porque ele era a favor dos operários. Ele não era comunista, ele só não aceitava injustiça e exploração”, afirma categoricamente uma de suas bisnetas, que não quis se identificar.

 

Pioneiro

Segundo o professor e advogado Gustavo Lopes Pires de Souza, integrante da Academia Nova-limense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Alto Rio das Velhas (IHGARV), Castor Cifuentes foi o dirigente que desempenhou um papel crucial na transição do futebol amador para o profissional, consolidando um novo padrão profissional no cenário esportivo de Minas Gerais. Em 1932, sob a sua presidência, o estádio passou  por  reformas e  ampliações. Ele também foi o presidente responsável pela formação do melhor time do Villa Nova até os dias atuais, inclusive por organizar a equipe que conquistou o tetracampeonato mineiro entre 1932 e 1935. Desde sua morte, seu nome passou a batizar o estádio do Villa Nova em uma homenagem dos operários, torcedores e da comunidade nova-limense à sua nobre memória.

 

Biblioteca Pública de Nova Lima Anésia de Matos Guimarães, antiga casa do ex-presidente do Villa Nova, Castor Cifuentes

Biblioteca Pública

Para marcar ainda mais sua memória na cidade, o prédio em Art Déco, onde funciona atualmente a Biblioteca Pública Municipal de Nova Lima, localizada na Avenida Rio Branco, foi construído por Castor, onde, por muito tempo, fez do local sua morada, até ser vendido ao Governo Municipal para dar lugar ao equipamento público. Como faleceu em casa, o imóvel carrega algumas histórias misteriosas difundidas pela cidade.

 

AngloGold

Questionado sobre a afirmação de assassinato do ex-presidente do Villa Nova, Castor Cifuentes à AngloGold - a antiga Morro Velho - a empresa disse que foi criada em 1999, quando se tornou controladora dos ativos da Mineração Morro Velho. “A empresa reforça que defende a livre-representação sindical e os direitos humanos em geral, sendo signatária de pactos e certificações internacionais que aferem sua aderência ao tema. Sobre o episódio em questão, não temos conhecimento de registro de fatos e evidências sobre o mesmo, sendo assim, não teríamos como nos posicionar”, encerra.

 
 
 

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Mariana Lopes | Comunicadora

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